A FORMAÇÃO DA VILA

Na praça da Matriz começaram as construções das casas da Freguesia em volta da Igreja e em ruas que se foram abrindo, à proporção das necessidades dos seus moradores.

Estava, pois, edificada a Freguesia de São João Marcos, em cima da Serra do Mar, sobre a fralda da qual se assentou a Vila de Mangaratiba, sendo sua posição astronômica: na latitude Sul 22’27’44”, e longitude leste de O’49’38”, segundo Bellegade.

Acompanhou esses sertanejos o padre Manoel Antonio Proença, vigário e visitador de Angra, que se interessava em fundar uma fazenda no sítio denominado Capivari, além do rio já referido, para o lado da serra com o desígnio (diz Pizarro) também de estender os limites da Freguesia de Angra com prejuízo do território de São João Marcos, já fundado, é cultivado. Isso deu origem a quem a Câmara de Angra do Reis pretendesse a extensão territorial validando o seu desejo de corrigir os sítios limítrofes além da serra para São João Marcos, cujos moradores, resistindo sempre aquele intento, não consentiram na projetada posse daquela Câmara, que, esquecida da informação dada ao corregedor e ouvidor geral Marcellino Rodrigues Collaço, em 23 de Outubro de 1757, atestou a requerimento de Manoel Gonçalves Portugal, habitante á margem do rio Piraí, de cima, reconhecendo por divisa da vila e sua Freguesia, a Serra do Mar.

E isso mesmo se verificou na informação de 5 de Agosto de 1783 ao vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza, chamando-a Serra Grande, em requerimento de Joaquim Gomes Corrêa, em Julho do ano anterior. Do que tudo faz fé os registros feitos no livro de registros de Ords. Da Câmara Municipal daquela cidade, em 1770 e 1774 (fls. 40).

Não obstante, das providencias já tomadas, desprezou a Câmara de Angra dos Reis a orde daquele vice-rei, em que lhe determinou não contendesse mais com o distrito de São João Marcos, nem pretendesse o esbulho da posse de seu território, do que tudo isso fazem minuciosos relato os documentos registrados no livro 4 de Regs. Ports. Da mesma Câmara, em fls. 55.

Continuando no entanto a inquietar os seus moradores, estes, novamente, se dirigiram ao vice-rei Conde de Rezende, por intermédio do comandante do distrito, em 18 de janeiro de 1792.

Ficando a Câmara finalmente conformada com a solução definitiva da pendência, julgada como foi em garantia do território de São João Marcos.

Em atenção ao zelo de sua paróquia e à dedicação de seus habitantes, por alvará de 12 de janeiro de 1755, entrou a Igreja de São João Marcos na classe das igrejas perpétuas, sendo o padre Antonio Fernandes da Cruz, que a vinha paroquiando desde 1742, nomeado seu proprietário por apresentação de 15 de Janeiro de 1755. Com confirmação de 18 de Maio de 1756, tendo este falecido em Julho de 1785, sucedeu-lhe o padre Bento José de Souza, provido a 18 de Janeiro de 1786 como vigário encomendado até que foi apresentado em 21 de Julho de 1788, e confirmado em 8 de Maio de 1789.

Entrou para a matriz, como coadjuvante, o padre José Joaquim Botelho, por decreto datado de 1815.

Divisava a Freguesia de São João Marcos, com a Freguesia de Sant’Anna de Areias, bispado de São Paulo, pelo rio Paraíba, distante dez léguas, em seguimento, com a Freguesia de N. S. da Conceição da Paraíba Nova, no sitio de Campo Alegre (Rezende), conforme a demarcação de 26 de Fevereiro de 1766. Ao nordeste com a Freguesia de São Francisco Xavier de Itaguaí e ao Sul com as Freguesias de No. S. da Conceição de Angra do Reis da Ilha Grande e N. S. da Guia de Mangaratiba, com o quais se limita pela sua legitima baliza natural da Serra do Mar; ao poente por longa distância com as matas e terras incultas das margens do rio Paraíba, terminando com a Freguesia de Sacra Família do Tinguá, cuja divisa variou com a elevação à Vila de Sant’Anna do Piraí, nos termos da Provisão do Ordinário de 15 de Outubro de 1811. Por esse tempo calculava-se a sua população em toda aquela circunferência para mais de 4.600 habitantes. Sua indústria era representada por seis engenhos, sendo dois de açúcar e quatro de aguardente. (Mos. Piz. Mem. Hist.)

Nas memórias de Ayres Casal, informava este em seu escrito, que no bispado do Rio de Janeiro, naquela grande extensão territorial, havia apenas quatro freguesias, entre elas a de São João Marcos do Campo Alegre, mas que determinou ser um das da Serra de fora.          

Em atenção às conveniências matrimoniais, o que lhes foi concedido por Providencia do Ordinário, em 8 de Mario de 1804, pelas dificuldades que tinham de se transportarem à Comarca de Campo Alegre (Rezende), se prorrogou a vara em 18 de Fevereiro de 1812, ocupando, o cargo de vigário da vara o pároco da igreja, Bento José de Souza. Por idênticos motivos de requererem seus habitantes as justiças de Rezende e havendo já suficiente povoação, os seus moradores demonstrando já haver arraial formalizado com casas anualmente habitadas, solicitaram a criação de sua vila, deferido seu pedido com prévia audiência da Câmara de Rezende, foi esta criada por alvará com força de lei de 21 de fevereiro de 1811, com o titulo de São João do Príncipe, mandando-se criar também com outras providências dois ofícios de tabelião do Público Judicial e Notas. Para desempenho e cumprimento do referido alvará, foi ordenado ao desembargador ouvidor geral da Comarca, José Barrozo Pereira, que se passasse para São João Marcos, e ai prescrevesse termo proporcionado por seus limites, conforme a provisão de 24 de abril de 1811.

No período que decorreu de 1742 a 1800, muito concorreram dois padres para o desenvolvimento da Freguesia, quer no seu progresso material, quer no seu progresso moral, foram eles monsenhor Pizarro e Araújo e o padre visitador Dr. Manoel Antônio Proença.

Já no decurso do ano de 1766, em visita feita em setembro, dizia o Ordinário Dr. Proença: “aos seus sufragâneos nada tenho a louvar, antes muito de estranhar o desmazelo com que se tem portado em tudo que lhe foi recomendado nas visitas antepassadas sobre a fatura de igreja matriz e é lamentável que se tendo erigido esta Freguesia em povo, está tão diminuto no seu zelo e devoção”.

Não somente tratavam eles no interesse da religião, mas também na comodidade de seus fregueses, aconselhando a construção das estradas, aberturas de caminhos e concitando-os a que trabalhassem com ardor no amanho de suas terras, para possuírem boas lavouras.

Tal era o conselho dos ilustres visitadores, no transcurso daqueles tempos que em virtude de seus ensinamentos o povo se tomou de orgulho, realizando a grande obra de fé, que é o nosso majestoso templo e organizando suas fazendas de criação e culturas.

A notícia da bondade do seu clima, a beleza de seus rios, o encanto de suas montanhas, e tal era a amenidade da terra e pujança de suas florestas, que as sesmarias foram concedidas por grandes extensões, desenvolvendo-se as lavouras com rapidez extraordinária, formando-se um grande celeiro que abastecia a região de Campo Alegre.

O Dr. Alberto Lamego, notável historiador fluminense, em artigo publicado em “O Estado”, referindo-se a São João Marcos, assim escreveu que:
“O primeiro povoador de São João Marcos foi João Machado, que ali se estabeleceu em 1733”. Era ele feitor do Provedor Francisco de Siqueira Cordovil, que possuía a fazenda da “Magalarga” na “Serra de Pouso Frio” onde no seu cimo morreram alguns dos devastadores daquele sertão e contrabandistas de outro, e que por isso tem o nome de “Serra das Caveiras”.

Graduado em capitão das Ordenanças, teve mais tarde o comando de toda a freguesia.

Nas suas terras levantou uma capela sob a invocação de São João Marcos, no ano de 1742, tendo por capelão o Padre Antônio Fernandes da Cruz que em 1750 teve a provisão de vigário, sendo colado em 1755.

Por falecimento, deste sucedeu-lhe em 1786 o Padre Bento José de Souza, vigário colado em 1788.

Quando, em 1797, o vice-rei D. José de Castro, Conde de Rezende, ordenou ao sargento-mór João Marianno de Deus e Souza, que lhe desse uma informação exata da dita Freguezia, era ainda seu vigário, o mesmo sacerdote.

Naquela época a Freguesia de São João Marcos era dividida em cinco distritos: Capela de Santa Anna – Sipó – Mato Dentro – Freguesia e Capivari.
O território de toda a Freguesia tinha a semelhança de uma cinta que, lançada do lado do Sul, no alto da Serra da Ilha Grande, descia para o Norte com 14 léguas incompletas de extensão até o rio Paraíba. A sua largura era desigual, terminando pelo lado do leste na Serra do Mar, no lugar apelidado de “Machado” nome do seu primeiro morador, pelo oeste do Rio Piraí.

A divisão dos distritos foi feita pelo Sargento Mor Joaquim Xavier Curado e neles criou outras tantas companhias de cavalaria auxiliar não só para os defender das invasões dos índios como para policia dos seus habitantes.

O terreno é mais montuoso que o da Freguesia de N.S. da Conceição do Campo Alegre da Paraíba Nova (Rezende), porém, tem muitas várzeas ainda que pequenas, que são regadas de imensos ribeiros e córregos e por isso férteis em todo gênero de legumes próprios do clima.

A colheita da sua cultura em 1797 foi de 11.470 alqueires de milho, 2.417 de feijão, 3.315 de arroz, 2.040 de farinha e 5.540 de café. O montuoso é próprio para mandioca e cana, e cada carro dava duas formas de duas dobras cada uma e já havia exemplo de 9 carros de 16 arrobas de açúcar no engenho chamado Várzea.
As margens do rio Piraí excedem em fertilidade, principalmente em cana e café e deste acada pé produzia às vezes uma arroba.

Ali se cultivava com grande proveito o linho e cevada e o trigo e quando este era semeado nos meses de Marco, Abril e Maio com meio prato de sementes se colhia três quartas.

Exportava café, arroz, açúcar, aves, porcos, milho, feijão e farinha em tropas para o Rio de Janeiro.
Passemos a descrição de cada um dos distritos.

O da Capela, assim chamado porque os seus moradores, vendo-se distantes sete léguas da matriz, levantaram nova Capela de Sant’Anna, sendo o primeiro capelão o padre Agostinho Luiz Pacheco, primeiro coadjutor da Freguesia.

Esta foi erigida nas terras de José Luiz Urbano, sobre um monte, tendo outros defronte, os quais são separados pelo rio Pirai.

Os ribeiros e córregos que regam este distrito dimanam de uma cordilheira de morros que principia ao Norte da Serra das Caveiras e finda ao Sul no morro da Colher, assim chamado por ter aí se achado uma colher deixada pelos contrabandistas que tiravam ouro dos rios Pirapetinga e Lambari.

O seu sertão confinava com a Freguesia de Sacra Família, pelo qual corre um ribeiro que desemboca no Pirai de baixo, onde consta terem saído alguns desertores de lá vindos pelo tal ribeiro abaixo em pequenas canoas e que de noite subiram pelo Pirai de baixo, onde consta terem passado ao Sul e desembarcaram nas terras da jurisdição da Capitania de São Paulo.

A superfície do distrito é semelhante a um trapézio.
Da mesma cordilheira nascem os ribeiros e córregos que regam o distrito do Cipó e desaguam no rio das Lages. Este tem a sua origem na Serra do mar, com as águas vertentes que dimanam para a parte do Norte, depois de uma percurso de 13 léguas toma o nome de Itaguai.

Os ribeiros chamados de Cosme da Barra, e o rio das Lages precisavam de pontes, dizia o sargento mor. O nome deste distrito procedeu de um grande ribeiro que o corta e que os primeiros povoadores o atravessaram na sua enchente seguros a um cipó. A superfície do terreno pouco difere da precedente.

Os ribeiros e córregos que regam o distrito de Mato Dentro são vertentes da cordilheira, uns que desaguam no rio Pirai, outros da Serra do Mar e que se lançam no rio das Lages.

Mangaratiba, e esta é a mesma do Mar que obliquando a sueste, leste e nordeste, lhe deixa maior terreno.
O nome do distrito teve origem de ser ele de menor testada e maior extensão de sertão que os mais.
A superfície é quase semelhante a um paralelogramo.

Os dois ribeiros do distrito da Freguesia nascem na referida cordilheira, porém, com águas vertentes para a banda do oeste, que deságua no rio Piraí, e outro para o de leste, no rio das Lages.

Os córregos são vertidos da mesma que desembocam no Passa Vinte, este no ribeiro da Cachoeira e daí ao rio das Lages.
A Igreja é situada em um morro que, emparelhado com outro, correm ambos de leste a oeste, com intervalo entre si diferente, sendo o maior de vinte braças, mas em terreno desigual e cortado por um ribeiro que lhe corre ao Norte.

Do lado do Sul existem duas ordens de casas, a primeira com 12 e todas de telha, a segunda de 17 edificadas no morro, e em grande parte cobertas de palha.
A igreja esta edificada ao lado do nascente e o seu santuário muito asseado, mas como está em pequeno e mão terreno, de presente (diz o Sargento Mor referido) se cuida em outra construída de taipa no lugar chamado “As panelas”, nome que lhe ficou de um olaria que ali existiu e distante da outra igreja 600 braças.

Esse terreno é melhor e se pode formar uma quadra de 120 braços por lado. A superfície do distrito tem quase a mesma configuração do precedente.
Os ribeiros e córregos que regam o distrito de Capivari têm as suas origens na Serra de Mangalarga, exceto o Passa Três, que nasce na Serra de Itaóca.

Todas essas serras pertencem à Serra do Mar, qual tronco que com os ramos que lança para diversas partes abrange todos os distritos dos quais cada um adquiriu o seu nome particular.

Procedeu o nome deste distrito de um rio em cujas margens caçavam os seus habitantes capivaras.
O rio Capivari nasce do pontal da Serra do Mar, para oeste que com os mais deságuam no rio Pirai. A configuração do terreno é semelhante a um pentágono irregular.

Pela falta de pastagem, pouco gado existia. Cultivavam os seus habitantes algumas especiarias, como cominhos, erva doce, assafrão e principalmente as flores como cravos, rosas e angélicas.

A exposição feita pelo referido sargento-mór João Mariano, em 27 de Novembro de 1797, terminava com descrição do rio Piraí, seguida de um mapa que em seguida publicamos.

Este rio é a balisa que demarca a Freguesia de São João Marcos da de Campo Alegre e pode se considerar proceder de duas vertentes, a principal da Serra da Bocaína e a outra da Ilha Grande.

A vertente desta antes de se encontrar com aquele tem o nome de ribeiro do Ventura.
Corre este rio de sueste a noroeste 15 léguas descontando algumas pequenas torturas, desde o lugar onde nasce até a sua desembocadura no rio Paraíba, onde chega com 16 braças de largo e tendo até ali diversas dimensões, (de seis a doze). A sua maior altura é de 15 braças, mas nos poços cachoeiras, onde consta, se ter tirado nos tempos  passados ouro em abundancia e tem as mesmas qualidades de pescado que o rio Paraíba.

Nas suas margens, da parte do Sul crescem açucenas brancas e da parte oposta uma espécie de trepadeiras que se enroscam pelos ásperos troncos das arvores e embalsamam o ar com delicioso perfume. Os habitantes deste o dividem em três partes: “Piraí decima”, que chega até  de fronte do morro do Frade, cujo nome provem de se assemelhar com um padre de capuz na cabeça; ‘Pirai do meio” daí até a Capela, e finalmente “Piraí de baixo”, deste ponto até a sua desembocadura.

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